Presidente arguiu artigo 486 da CLT para justificar seu posicionamento
A queda de braço do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com os governadores e prefeitos que insistem em manter as empresas consideradas de atividades não essenciais fechadas por causa do coronavírus, contrariando a vontade dele, ganha novo capítulo a cada dia, a cada aparição do presidente na portaria de saída do Palácio da Alvorada quando ele desce do carro e conversa com populares e jornalistas que sempre estão por ali.
Na manhã desta sexta-feira, dia 27, Bolsonaro desafiou novamente governadores e prefeitos e mandou um recado a eles tendo por base o artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele deixou claro que se mantiverem as posições de contingenciamento estabelecidas nos seus estados e nas suas cidades, eles terão que arcas com os custos das demissões que ocorrerão no País.
“Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito, tá ok? Fecharam tudo. Era uma competição quem ia fechar mais”, disse.
O caput artigo 486 da CLT diz o seguinte: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.
O parágrafo 1° do referido artigo diz, no entanto, que autoridade responsável pela suspensão da atividade terá 30 dias para se defender.
Diz o seguinte: “Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria”.
Portanto, a letra da lei informa que Jair Bolsonaro tem razão e ele não mede consequências para defender sua tese e joga a conta no colo dos governadores e prefeitos.
Está claro que esta situação tem implicações jurídicas e os governadores e prefeitos que alegam não ter recursos suficientes para combater o coronavírus terão dificuldades maiores ainda para arcar com esta despesa, se é que vão conseguir arcar, e podem ter implicações jurídicas, para além da política.
Bolsonaro defende o “isolamento vertical”, quando apenas pessoas do grupo de risco devem ficar em casa, alguns governadores e prefeitos pensam o contrário e têm elevado o tom contra o presidente em defesa do “isolamento horizontal”, que busca a redução ao máximo da circulação de pessoas, com manutenção apenas dos serviços essenciais.
Controvérsias
Alguns juristas entendem que o artigo 486 da CLT não pode ser aplicado à atual situação brasileira, uma vez que o fechamento dos serviços não essenciais no país e a orientação de isolamento social para a população ocorre por falta de alternativa a essa crise instalada pela pandemia do coronavírus
Consideram que é uma situação de “força maior” que remete ao artigo 501 da CLT, que diz o seguinte: “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.
Pois bem, sendo força maior ou não, alguém tem que pagar a conta, caso contrário o trabalhador ficará no prejuízo
Por outro lado, alguns especialistas em direito do trabalho entendem que mesmo que o país esteja oficialmente em calamidade pública, o artigo 486 da CLT deve abrir grandes disputas judiciais entre trabalhadores e empresários. Ou seja, se a empresa mandar embora e não pagar, o funcionário vai acionar o governo na Justiça para receber as verbas rescisórias.
Como no direito a hermenêutica jurídica deve prevalecer, os trabalhadores podem enfrentar uma longa fila de processos para receber seus direitos.
Bolsonaro deu a entender que sabe o que fala, e o recado está dado. Ao pé da letra, os governadores e prefeitos terão que pagar a conta.
Ou não?
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