O aumento da violência doméstica durante a pandemia e o alto índice de mortes de crianças por Covid-19 em comunidades tradicionais foram dois dos problemas apontados por especialistas durante audiência pública realizada nesta segunda-feira (26) pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O encontro foi convocado para debater o crescimento médio de 24% nas internações de crianças e adolescentes com Covid-19, na comparação entre os meses de dezembro de 2020 e fevereiro de 2021.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que pediu o debate, afirmou que o objetivo da reunião foi ouvir de especialistas que medidas podem ser tomadas para minimizar os efeitos da Covid-19 para crianças e adolescentes, norteando a implementação de políticas públicas.
A conselheira tutelar de Porto Alegre Cristina Medeiros lembrou que os prejuízos acumulados por crianças e adolescentes durante a pandemia, tanto pela falta de aulas virtuais, como pelo aumento da violência doméstica, só poderão ser combatidos com a adoção de políticas públicas de qualidade.
Mortes por Covid-19
A representante da associação internacional Maylê Sara Kalí, Elisa Costa, alertou para a invisibilidade de comunidades tradicionais e minorias, que segundo ela já levou à morte de mais de duas mil crianças menores de nove anos por Covid-19.
“O que mata a nossa infância é a falta de vontade política, é o negacionismo, é o desrespeito à ciência, é o desrespeito à vida, é a insegurança jurídica que se instalou nesse país e que nos faz perguntar: a quem recorrer?”, afirmou.
Volta às aulas
O médico infectologista Marcos Boulos defendeu que a volta às aulas só aconteça após a vacinação de todos os professores, que na visão dele foram os que mais adoeceram com a volta das aulas presenciais em algumas localidades. Para Marcos Boulos é preciso garantir uma renda mínima para que as pessoas possam fazer o distanciamento social até que a vacinação seja concluída.
Ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Iolete Pereira afirmou que a volta às aulas tem que ser discutida com os educadores e feita de forma regionalizada, respeitando a realidade de cada local.
“A desigualdade da inclusão digital, do acesso à internet, da condição de estudo em casa, precisa ser analisada e precisa de políticas para resolver essa questão. E não é colocar as crianças na escola sem garantir sua segurança e dos educadores que lá trabalham”, afirmou.
Iolete Pereira alertou contra uma proposta (PL 168/21) em análise na Câmara que retira as funções deliberativas do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, enfraquecendo ainda mais as políticas sociais.
A deputada Maria do Rosário afirmou que vai propor uma audiência na Comissão de Legislação Participativa para discutir tal projeto de lei com os parlamentares que defendem os direitos sociais e tentar barrar sua aprovação. O PL 168/21 aguarda a designação de relator na Comissão de Seguridade Social e Família.
Trabalho infantil
O educador social Binô Mauirá alertou para o desmonte do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Infantil (PETI), justamente em um momento em que as famílias estão sem renda, o que está impelindo jovens e crianças para o trabalho informal. Ele pediu apoio dos deputados para a recomposição dos orçamentos para as políticas de assistência social.
“Não se faz ação na ponta sem orçamento, sem recursos para executar. Não é apenas campanha, mas a gente precisa de infraestrutura e trabalhadores para poder executar na ponta esse trabalho”, disse.
A representante da Associação Meninos e Meninas de Progresso, Jheine Francine, afirmou que o desmonte da estrutura da assistência social tem prejudicado muito crianças e adolescentes que estão expostos ao trabalho infantil e ao tráfico de drogas, muitas vezes levados pela fome, que aumentou muito por causa da pandemia.
Agressões
Dados da Sociedade Brasileira de Pediatria apresentados durante a audiência mostram que, em uma década, 103.149 crianças e adolescentes morreram no Brasil vítimas de agressão. Desse total, duas mil vítimas tinham menos de quatro anos. O mesmo levantamento aponta que o isolamento social, apesar de necessário, tem sido responsável pelo aumento da exposição das crianças à violência doméstica.