Uma proposta de emenda à Constituição pautada para votação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados na noite desta quarta-feira (28), depois das votações em Plenário, chamou atenção de parlamentares e provocou divergências no colegiado. A discussão do texto foi iniciada, mas a análise foi adiada para esta sexta-feira (30).
Entre outros pontos, a proposta acaba com a exigência de que o corregedor nacional do Ministério Público seja escolhido pelo conselho entre os membros do Ministério Público que o integram.
O texto também permite que os dois membros do CNMP indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sejam “ministros ou juízes” e não apenas “juízes”, como atualmente; e inclui, entre os membros do conselho, um representante do Ministério Público indicado, alternadamente, pela Câmara e pelo Senado.
A proposta também reduz, de quatro para três, o número de membros do conselho necessariamente oriundos do Ministério Público da União, que serão provenientes do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Militar, deixando, assim, de assegurar a representação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Os representantes do MPDFT poderão concorrer a uma das três vagas que a PEC destina a representantes dos ministérios públicos dos estados ou do Distrito Federal.
O texto uniu partidos de ideologias distintas, como PT, PCdoB, PSL, PP, PSD e Republicanos em sua defesa. Por outro lado, legendas também de ideologias diferentes, como Novo, PSDB, DEM, Psol e PSB, criticaram a PEC.
O autor da proposta, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), argumenta que existem “deficiências na estrutura do CNMP, bem como a necessidade de se esclarecer certos aspectos de seu funcionamento”.
“As alterações visam também assegurar que o CNMP consiga ampliar a eficácia de sua atuação e, com isso, eliminar certa sensação de corporativismo e de impunidade em relação aos membros do Ministério Público que mereçam sofrer sanções administrativas por desvios de conduta”, defendeu Teixeira.
Com relação à mudança na regra para escolha do corregedor nacional, o deputado afirma que, ao eliminar-se a exigência de que o corregedor seja escolhido entre os membros da instituição, e permitir-se a eleição de membros externos, “haverá inegável oxigenação nas atividades da Corregedoria Nacional, enriquecida com a experiência de quaisquer dos membros do CNMP”.
O relator da PEC, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), apresentou parecer pela admissibilidade do texto, pois entendeu que a proposta não fere a Constituição e preenche os requisitos técnicos necessários para que se dê continuidade à sua análise na Câmara.
Silvio Costa Filho alertou, no entanto, para o item que diz respeito ao corregedor. “Ao retirar do texto a expressão ‘dentre os membros do Ministério Público que o integram’, a proposta, ao fim e ao cabo, suprime a exigência de que o corregedor nacional do Ministério Público seja membro do Parquet. Mais ainda, com a nova redação, o corregedor nacional poderia até mesmo não ser integrante do Conselho Nacional do Ministério Público”, ressaltou.
Para o relator, esse tema merece “detida reflexão” do Parlamento, mas considerou que esse é um debate posterior à CCJ, para ocorrer na comissão especial que irá analisar o mérito da proposta.
Debate
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) criticou o texto. “Não faz sentido que o corregedor do Ministério Público possa ser alguém de fora do Ministério Público. Nós jamais aceitaríamos aqui dentro do Parlamento, na Câmara dos Deputados, que um juiz, que um advogado, que um engenheiro fosse corregedor da Câmara, fosse presidente do Conselho de Ética”, avaliou.
Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) citou o procurador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol ao defender a proposta. “Há, na sociedade brasileira, uma indicação clara de que o germe do corporativismo tem impedido determinados conselhos de cumprir o seu papel. Alguém poderá dizer: ‘ah, isto é uma observação contra os atos indevidos de um Deltan Dallagnol’. Mas coloquem indevidos como muitos outros adjetivos, ainda que respeitosos. Quando foi que Dallagnol respeitou quem quer que seja?”, questionou.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) se disse surpreso com a análise da proposta nesta quarta-feira e considerou “nebulosos” os motivos para a votação. “A votação desta matéria é, sim, meteórica. Vou fundamentar: primeiro, ela tem pouco mais de 30 dias, foi protocolada em 23 de março. Segundo, votação extraordinária, com pauta única. Terceiro: encerrou-se o Plenário, com pauta importante, para votar isto aqui”, afirmou.
Adiamento
Com o avançar da hora, porém, o PT se posicionou a favor do adiamento da votação pois, segundo Maria do Rosário, análises que entram na madrugada não são boas para a democracia. A presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF), aquiesceu. Segundo Kicis, não houve nenhuma motivação oculta para que a matéria entrasse como pauta única em reunião extraordinária após o Plenário.
Segundo o deputado Paulo Teixeira, o texto poderá ser aperfeiçoado. “O que se quer fazer aqui é aperfeiçoar o controle externo. Discordâncias poderão ser analisadas no âmbito da comissão especial. Mas nenhuma das mudanças aqui propostas é inconstitucional, ainda que elas possam não subsistir”, defendeu Teixeira.
Atuação do CNMP
Em nota, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) afirmou que “a atual composição do conselho atende aos ideais de interesse público e de multissetorialidade, pois congrega integrantes de várias instituições que, com seu conhecimento, experiência e representação, vêm contribuindo para o aperfeiçoamento do Ministério Público brasileiro”.
A nota também diz que “não existe postura de corporativismo ou de renúncia ao cumprimento das funções por qualquer dos conselheiros que já integraram ou integram o CNMP” e que a “invocação de suposto corporativismo constante da proposta certamente não leva em conta centenas de processos disciplinares que resultaram em sanções de advertência, censura, suspensão e até de demissão impostas a membros do Ministério Público brasileiro”.
Ainda de acordo com a nota, no período de 2005 a 2019, a quantidade de processos administrativos disciplinares julgados pelo CNMP foi 101,09% superior à de julgados pelo Conselho Nacional de Justiça (o CNMP julgou 16,42 PADs para cada mil integrantes do Ministério Público, período em que o CNJ julgou 5,8 para cada mil integrantes do Poder Judiciário). No mesmo intervalo de tempo, a quantidade de penalidades aplicadas pelo CNMP é 58,62% superior à de penas aplicadas pelo CNJ, diz a nota.
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