Entidades da sociedade civil denunciaram riscos à democracia e à liberdade de expressão nas propostas que revogam a Lei de Segurança Nacional e, entre outros pontos, definem novos crimes contra o Estado Democrático de Direito (PL 6764/02 e apensados).
Além de criminalização dos movimentos sociais e restrições a reuniões e protestos, os textos teriam “uma concepção enviesada de soberania nacional”. Essas propostas ainda vão ganhar um texto alternativo (substitutivo) da relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), mas já tiveram a urgência aprovada para votação no Plenário da Câmara.
O conteúdo e a tramitação rápida do texto foram alvos de muitas críticas em audiência virtual nesta quarta-feira (28) na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. De forma geral, todas as entidades da sociedade civil presentes concordaram com a revogação da Lei de Segurança Nacional, em vigor desde 1983 e apelidada de “instrumento arbitrário” e “entulho da ditadura militar”.
Porém, os debatedores criticaram algumas inovações da proposta, sobretudo em relação à amplitude e à duração das penas dos novos tipos penais. O professor de jornalismo da PUC de São Paulo Leonardo Sakamoto vê riscos de continuidade do “clima de perseguição” à atividade jornalística que ele já identificou em ações recentes da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Justiça contra opositores do governo Bolsonaro.
“A criação de tipos penais pode ser algo bem perigoso se, no final, o que surgir possa ser uma LSN do B legitimada pelo fato de ser votada por um Congresso democrático. Pode até ser muito mais perigoso do que ficar com um vazio legal, sem a LSN. O risco que se tem em mãos é o de criar uma nova lei antiterrorista que pode sair prendendo a rodo, validada pela democracia”, disse Sakamoto.
Arbitrariedade
Essa também é a posição do Instituto Vero, criado pelo youtuber Felipe Neto e recentemente intimado a depor com base na atual LSN. O diretor-executivo do instituto, Carlos Machado, citou a proposta do crime de “comunicação enganosa em massa” como exemplo de tipo penal “genérico, com risco de cair na inutilidade ou em arbitrariedade”.
Representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos, da Comissão Arns, da Fundação Getúlio Vargas e do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) adotaram tom semelhante. Walber Rondon Ribeiro, da Defensoria Pública da União, sintetizou as críticas.
“O que não desejamos são instrumentos velhos com roupagens mais modernas nos quais os poderes instituídos, no presente e no futuro, possam se valer para vigiar, observar, controlar movimentos e ideias, obter dados da vida privada e pública, impor prisões arbitrárias sem controle jurídico, controlar e suprimir dissidentes”, afirmou Ribeiro.
Ele sugeriu que o debate em torno da substituição da Lei de Segurança Nacional seja conduzido com base em salvaguardas das garantias fundamentais do cidadão e com “filtros de responsabilidade objetiva” e racionalidade na aplicação de penas.
Já o ex-deputado Miro Teixeira, representando o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), e Lucas Vilalta, coordenador de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, disseram que a prioridade deveria ser a revogação da Lei de Segurança Nacional no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), por absolutas inconstitucionalidade e incompatibilidade com a democracia.
Segurança social
Os representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares (Contag) afirmaram que a LSN deveria ser substituída por uma “Lei de Segurança Social” a ser debatida presencialmente após a superação da pandemia.
Diante da possibilidade de rápida votação do tema no Plenário da Câmara, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Carlos Veras (PT-PE), anunciou que vai encaminhar os apelos por mais debates diretamente à relatora Margarete Coelho e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
“A Lei de Segurança Nacional precisa ser revogada por conta de seus traços autoritários. Ao mesmo tempo, os crimes contra o Estado Democrático de Direito ainda precisam ser punidos pela lei brasileira, mas isso não pode ser feito sem a participação popular. Que nesta tormenta de tantos ataques à liberdade de expressão e ao Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal seja o nosso guia para a preservação da democracia e do direito à liberdade de expressão”, disse Veras.
Outras duas deputadas que solicitaram a audiência pública – Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Vivi Reis (Psol-PA) – reforçaram a necessidade de as propostas de substituição da Lei de Segurança Nacional passarem pela análise de todas as comissões temáticas ligadas ao assunto antes da votação em Plenário.
Substitutivo
A relatora, deputada Margarete Coelho, não participou do debate desta quarta-feira, mas na semana passada falou sobre sua proposta na Comissão de Legislação Participativa. Na opinião dela, a urgência se justifica pela necessidade de evitar insegurança jurídica no País.
Margarete Coelho lembra que vários partidos pediram ao Supremo Tribunal Federal a revogação da Lei de Segurança Nacional. Caso o STF julgue que a norma não foi recepcionada pela Constituição Federal, a deputada teme que ocorra um vazio legislativo e insegurança jurídica.
“Há um entulho autoritário ali, mas há também regras que devem permanecer no ordenamento jurídico para garantir nossa soberania e o Estado Democrático de Direito”, ponderou. Ela afirma que há um acordo com o STF para que a corte não decida sobre o tema enquanto o Congresso estiver deliberando.
A relatora também reafirmou estar aberta a sugestões e disse que já apresentou dez versões do substitutivo. “A cada audiência, a cada rodada de sugestões, o substitutivo é publicizado para que não haja surpresas”, informou.
Margarete Coelho avalia que o debate está maduro, pois se prolonga desde 2002 quando o primeiro projeto de lei sobre o tema foi apresentado. “Já fiz em torno de 20 reuniões para debater a lei. Um diálogo franco, aberto, sincero e proveitoso”, ressaltou.
Segundo a deputada, o texto será levado ao Plenário no dia 4 de maio, conforme acordado com todos os partidos. “Não tenho apego ao texto. Não significa que será levado ao Plenário da forma que está. Estou aberta a novos aportes.”